Fiel da Balança 2020

Quando cheguei a Pádua, não cheguei sozinho.

Aquele fim de tarde estava a fazer de fim de setembro.

O Sol, que teimava em largar a mão do céu, prometeu-nos que voltaria no dia seguinte – cumpriu a sua palavra. Todos os intervenientes que possam ter estado naquele fim de tarde estão capazes de admitir que esse dia tinha sido muito quente. O ar, já respirado, fervia e as pessoas que iam passando pelos meus olhos andavam de um lado para o outro cheias de malas e cheias de calor.

O céu estava cor-de-laranja.

Eu não me esqueço das cores do céu, pelo menos tento nunca me esquecer. Há dias mais importantes do que outros e, por isso, há céus mais importantes do que outros. Todos os céus são diferentes porque todos os dias são diferentes. Há céus – tal como os dias – que parecem ser iguais, mas não são: nunca um céu foi uma cópia absoluta de outro. A Natureza não funciona desse modo. Levantei a cabeça e fiquei a estudá-lo, a perceber as suas cores e perguntei-me sobre como é que estaria o céu em Casa, que agora estava muito longe. Rastos de trajetos de avião rasgavam o cor-de-laranja daquele teto e eu perguntei-me de onde é que aqueles aviões teriam vindo ou para onde é que estariam a ir, como se pudesse de alguma forma saber se, dentro daquelas estruturas voadoras, pudesse estar alguém que estivesse na mesma situação do que eu: a chegar a uma cidade nova, no final de um dia inteiro de viagem, com um bilhete de comboio esquecido no bolso da camisa, com gotas de suor a escorregar pela cara e à procura do caminho para a praça da estação. Eu não estava sozinho. Neste momento, também não estou sozinho, apesar de estar apenas eu neste quarto, onde agora escrevo, numa tentativa de desenhar com palavras os momentos iniciais dessa jornada que vivi.

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