Fiel da Balança 2020

Vivemos num mundo em que cada um de nós tece com as suas próprias agulhas de indiferença um manto da invisibilidade, com que subtilmente se cobrem os problemas sociais que teimam em cruzar o nosso caminho. Olhamos para o lado, arranjamos desculpas e razões de ser - algumas delas perfeitamente válidas - e apontamos culpados para a desgraça alheia, garantindo assim que sacudimos a água do nosso capote privilegiado. Ao longo dos últimos anos, tive oportunidade de conhecer de perto, de tu para tu, a realidade de várias pessoas que, sendo em tudo iguais a mim, viviam e vivem em condições manifestamente inferiores às minhas (e às tuas também, provavelmente). Pessoas que vivem na rua, ou em barracas, jovens que crescem em bairros sociais, aqui ao lado, tão perto das nossas faculdades, e de quem poucas pessoas esperam um futuro brilhante, um futuro que passe, por exemplo, pela prossecução dos estudos para o ensino superior. Surpreendentemente, desde os mais novos, com quem pude estudar, aprender, sonhar novos horizontes, aos mais velhos, incluindo nestes, um senhor que me contava que noutros tempos, mais áureos e luminosos, tinha estudado na Faculdade de Direito de Lisboa, não encontrei coitados nem pobrezinhos. Estranho não é? Em tantas experiências (e tão ricas para mim!), onde tive a oportunidade de adquirir novas competências, de compreender uma realidade diferente, de analisar este mundo noutra perspetiva, só encontrei pessoas. Pessoas iguais a mim.

Foi fundamental para mim entender qual é o papel de um voluntário e qual é o meu papel.

Compreendi que há situações que podem ser melhoradas, outras até resolvidas e para as quais posso contribuir e outras que estão fora do meu alcance. Foi absolutamente construtivo reconhecer com toda a humildade que um voluntário não é - de todo - um super herói a salvar necessitados. Não somos seres com qualquer habilidade especial ou extraordinária: somos só pessoas que nos apercebemos que não podemos viver na indiferença, fechar os olhos ou apontar para o outro lado. E é esse sentimento que me faz organizar o meu estudo, a minha vida e gerir as minhas prioridades reservando tempo para investir em projetos sociais que fazem a diferença.

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