Quadrante 15

Spiderland , Slint (1991)

por Diogo Álvares Pereira

ao disco. As experiências com a dissonância, o afastamento da estrutura convencional da canção e a alternância de estilo de canto - entre o gemido exasperado e o spoken-word recôndito - foram reimaginados exaustivamente por grupos emo e pós-hardcore desde então, fascinados pela descoberta de uma zona de conforto na atmosfera hermética de Spiderland . Inevitavelmente, a narrativa claustrofóbica de “Don, Aman”, o build up pós-rock de “Washer” - irrompendo num solo de guitarra que parece libertar, de uma assentada, toda a tensão acumulada até aqui (imediatamente mergulhando de novo na paranóia persistente) -, ou, mais famigeradamente, o desfecho assombroso de “Good Morning, Captain”, converteram-se em propriedade pública para uma ínfima minoria. Talvez daí nasça a perplexidade colectiva: estranha se que música tão absorta no seu universo contenha em si, ainda assim, a habilidade de ressoar profundamente. De uma moradia suburbana em Louisville, Kentucky para o resto do mundo, peregrinando marginalmente à sociedade; porém, suficientemente achegado para vivenciar um rasgo e genuína conexão , deixando-o dispersar, por entre arpejos, batidas em assinaturas irregulares e palavras de solitude, no instante seguinte. Citando Steve Albini [Melody Maker , Março de 1991]: “Ten fucking stars”.

Em dado momento de Breadcrumb Trail (2014) – documentário de Lance Bangs sobre os Slint e o seu disco seminal, Spiderland (1991) – o baterista Britt Walford recorda os ensaios da banda na cave do vocalista Brian McMahan, o misto de saudosismo e perplexidade bem patentes na sua voz: “Limitava me a continuar durante horas e horas”. A confissão é ilustrada por um vídeo caseiro dos quatro jovens franzinos a praticarem uma versão embrionária daquela que viria a ser a derradeira faixa do seu chef d’oueuvre : “Good Morning, Captain”. Se a origem do saudosismo ainda é compreensível (afinal, mais de vinte anos haviam passado desde o lançamento de Spiderland), já a perplexidade apenas pode ser vagamente reconhecida; a sua génese demasiado entranhada na cultura idiossincrática e críptica do midwest norte-americano. O próprio Britt revela uma certa dificuldade em explicar a ânsia de ruptura com o tradicionalismo do rock, as dinâmicas entre membros e, acima de tudo, o sentimento de alienação social que paira sobre cada canto de Spiderland, restando ao ouvinte ficar preso na questão: como poderia um quarteto de adolescentes compor algo tão paradoxalmente gélido e ardente quanto esta obra-prima? De onde brotou toda esta bizarra, porém autêntica, percepção da vida? Spiderland é um autêntico fenómeno em plena era do grunge; quer se tivermos em consideração o quadro geral da indústria da música no início da década de noventa, quer se atentarmos no que é inerente

Quadrante, 2023

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