Quadrante 15
em muitos espaços religiosos; e conheço Arte em enorme contacto com aquilo que poderia ser tido por sagrado, que abre para um outro ponto. O Bruce Nauman diz que “o verdadeiro artista ajuda o mundo ao revelar verdades místicas”, e di-lo numa peça sua, extraordinária, escrita dentro de uma espiral. Uma impressão provocada pelo panorama nacional das belas artes é a de que se tornou num meio especializado, profissionalizado, no qual aquele que se apresenta como artista, o faz mediante a apresentação de um diploma universitário. É benesse ou tragédia? Daquilo que vou conhecendo, no mundo ocidental, as academias de belas artes transformaram-se, sendo que nos finais do século XIX eram locais de um denso academicismo e de perfeição técnica, para um lugar que é estritamente conforme à produção de arte dos últimos setenta anos. Desde do Duchamp que a arte mudou, de facto (o Duchamp) dinamitou o sistema da arte. Isso faz com que numa academia de belas artes se tenha que ensinar de modo diferente. Seria impossível lecionar fisica esquecendo o Kepler, não se pode somente ensinar a física antes do Einstein - seria muito estranho. Não… A Academia, ou melhor, as Escolas de Belas Artes têm esta coisa fantástica de serem um lugar brilhante de encontro, de exploração, de experiência, nas quais é possível deparamos nos com bons professores que apontam, abrem e desvendam algumas das possibilidades do pensamento artístico contemporâneo e daquilo que vem do passado - ou seja da tradição - e ensinam alguma técnica. Mas não estão a dizer como é que se é artista. Uma faculdade de filosofia fará a mesma coisa: apresenta os autores do passado e do presente, no entanto, no final de contas nenhum deles poderá dizer qual o modelo Para se ser artista é necessário frequentar uma universidade?
o casamento entre as Artes e a Fé Católica está em crise, pelo lado da dificuldade assumida, desejada e programada, da própria Arte não se conseguir definir, não se querer definir. E ao falarmos num sentido literal de Arte Sacra, não categoricamente, mas daquilo que é verdadeiramente sacro, que liga o que se encontra separado? Ora nesse sentido, parece-me que é o cerne, acho que é por isso que nos dedicamos à Arte. Porque toda a Arte que interessa é Sacra. Se pensarmos no sentido de que o profano e o sagrado em Jesus tornam-se muito diluídos. Jesus sacraliza o corpo humano, sacraliza o corpo nas suas experiências humanas vitais, sacraliza o comer, sacraliza o beber, sacraliza o sexo, sacraliza tudo. E ao sacralizar tudo, faz com que o profano deixe de ser profano. E isso é um perigo, porque então se não há profano nem sagrado, tudo é sagrado ou tudo é profano, no entanto a expressão é a primeira: tudo tem possibilidade de ser sagrado. Dos vermes aos anjos vai uma distância absolutamente nula, têm uma coisa comum que os faz não estarem distantes, ambos são criaturas, ambos têm o mesmo Criador, e portanto apontam-nos o Criador. De formas diferentes, tal como a água aponta de uma forma distinta do que uma pedra. A matéria tem possibilidade de ser sacralizada, e a construção humana, quando feita como uma necessidade profunda e interior, é uma construção muito particular, sui generis. A arte, dentro do mundo das coisas produzidas, dentro do mundo da poiesis, tem um lugar sui generis, não tem um lugar superior, nem mais elevado. Tem uma função imediatamente associada à função simbólica. De dar forma ao pensamento, a conceitos, ao sentimento, ao próprio espanto das matérias, ou até dar forma ao que não se sabe dizer, ao que fica escondido na boa ignorância - no desejar a ignorância. A Arte é uma interface especial, e por isso conheço arte dita sagrada muito pouco sagrada, e até idolatra, diga-se desprezível,
Quadrante, 2023
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