Quadrante 15
Fará, este ano, cento e vinte anos de edição mensal ininterrupta, e isso é impressionante. Quando vem para esta casa aumenta a dimensão comunitária deste projecto editorial, projecto que continua com o mesmo foco. No entanto, o projecto Brotéria desdobra-se, e fica uma espécie de colosso. Acho que criámos um bocado um ‘monstro’, um género de Frankenstein, composto de várias partes. Uma parte de Artes Visuais; uma partes de Ciências, uma parte que reporta à História da Companhia de Jesus e outra à História em geral; uma parte que reporta à arquitectura e ao espaço religioso; e claro, a Teologia, a espiritualidade, a Filosofia, como artes principais do pensamento, a literatura… A Brotéria é agora um espaço e um monstro, porque é um bocado descontrolado aquilo que pode vir daqui. Não há uma identidade fixa e rígida, isto porque os seus actores podem-se alterar, os jesuítas têm mobilidade, e a qualquer momento virão para aqui outros que farão outra coisa, ou seja, acentuarão outras dimensões. Por exemplo, a dimensão do campo das artes contemporâneas enquanto pensamento tem sido forte, porque assim foi acontecendo - isto porque os que cá estão têm este. Hoje, qual poderá ser o papel da Igreja na Arte e, inversamente, da Arte na Igreja? Historicamente, o mecenato eclesiástico originou algumas das obras mais belas, existirá hoje uma crise desse mecenato? Podemos falar numa crise de arte sacra? Ou trata-se tão e somente de uma crise de Fé? Em primeiro lugar, há uma crise nos conceitos. E quando há uma crise nos conceitos, há uma enorme crise de identidades rápidas claras. Podemos dizer que face à questão de “o que é que é a Arte” encontramos uma enorme crise. No entanto, em relação à questão “o que é a Religião?”, o Catolicismo em concreto, não é uma crise, isto porque sabemos o que somos e aquilo em que cremos, não vejo que esteja em crise. Vejo que
ou até mais lá para trás! Pensemos no Padre Manuel da Nóbrega, no enorme colosso que é o Padre António Vieira. O que acontece é que por vezes essas figuras acabam por ser lidas com alguma superficialidade, com um enorme anacronismo - que tem sido um problema. Talvez essa ingratidão acabe por ser indício de que algo certo foi feito… Ser-nos-ia gratificante sermos expulsos mais uma vez, e, no fundo, no fundo, o trabalho secreto da Brotéria é a busca por uma nova expulsão… (Risos) Chegamos por isso à questão: o que é a Brotéria? Passou a ser uma revista de divulgação científica, depois uma revista de informação cultural, depois uma revista de genética - a Revista Portuguesa de Genética nasce da Brotéria com o Padre Luís Archer. Portanto, a Brotéria nunca foi apenas uma revista, foi durante muito tempo uma comunidade, foi sempre uma casa, um lugar, chamado casa de escritores, onde jesuítas de várias idades e de vários campos do saber se juntam para lerem e escreverem. Lerem o que está a ser produzido nas suas áreas, escreverem sobre isso e escreverem artigos que lhes interessem. Por norma, dão algumas aulas nesse sítio, nessa cidade em que está a sua casa, e a sua actividade pastoral é desenvolvida sobretudo aos fim de semanas. São sacerdotes que se dedicam em comunidade a construir um corpo de saber. A Brotéria nasce num contexto de Escola - no colégio de São Fiel, na Serra da Gardunha, surge como um apoio às aulas de ciências. Quando, em 1910, os Jesuítas são novamente expulsos, o Silva Tavares (fundador) vai para o exílio na Baía, e chega a escrever que não vai conseguir deixar a sua querida Brotéria, pois para ele era um modo de comunicar ciência a uma comunidade alargada, num tempo em que dificilmente isto acontecia.
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Quadrante, 2023
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