Quadrante 15
histórica para com a Companhia de Jesus? Não gosto de um discurso triunfalista e de esperar gratidão, aliás isso iria até contra os próprios propósitos. Acho que sermos expulsos por três vezes de um país, ficarmos sem nada, sem nenhum dos bens, e voltar por três vezes, e reorganizar a missão que é feita no campo do ensino, do acompanhamento dos universitários, conseguir ir ao encontro dos mais desfavorecidos em situações da exclusão, e no campo da cultura em concreto - que é aquilo nos ocupa nesta casa (Brotéria) - essas coisas manifestam o quão nos é caro o lugar da precariedade, parece-me que aguça o engenho… Quero eu dizer que a pobreza, o ficar sem coisas, o ser-se perseguido, o ser-se expulso, trouxe aos jesuítas, em Portugal, uma certa flexibilidade de os tornar historicamente mais peregrinos, e menos sediados nas coisas e nos grandes palácios. É muito bom podermos estar aqui na Brotéria, num espaço que nos é emprestado, por contrato pela Santa Casa, e celebrarmos a Missa numa Igreja, provavelmente das mais bonitas da cidade de Lisboa, que nos é igualmente emprestada - e na qual prestamos um serviço à cidade. É como entrar na casa de um avô, em que reconheces os retratos… Tudo o que encontramos na Igreja de São Roque é a história da nossa família, sentimos a devoção, o calor de dar continuidade àqueles que estão ali representados, isso tem muita força. Ao mesmo tempo, aquelas tábuas, aqueles panos, aquelas alfaias litúrgicas não nos pertencem, e estão muito bem guardadas e cuidadas por um museu, com o qual são gastos recursos e tempo. Agora, sim, por vezes há um desconhecimento. O Francisco Romeiras e o Henrique Leitão, juntamente com a Brotéria, têm empreendido um excelente trabalho no sentido de demonstrar que existiram vários jesuítas que deram um grande contributo para as Ciências, para a Cultura e para a Política, podemos falar no Padre Manuel Antunes, no Padre Luís Archer,
carregam, depois de deixarmos para trás as ideias de sucesso, de resultados, de realização pessoal, até a ideia da construção de uma própria imagem. São momentos muito especiais, momentos de muita Graça, sendo que são raros, sendo que só uma vez tive esse grande e enorme gozo de me sentir livre de escolher, de sentir uma libertação, um respiro novo, uma espécie fluxo de nova vida a correr. Parece um contra-senso sentir isto e entrar numa Ordem religiosa rígida. Mas, realmente, a pessoa é livre para se aprisionar, para se deixar levar, é livre por outros, e portanto é preciso ser-se muito livre para ser obediente. Nós fazemos votos de pobreza, castidade e obediência dois anos depois de entrarmos, mas estamos quase dois anos a pensar sobre eles, a colocá-los em prática, a ler sobre eles, a experimentá-los, a ter um mês de silêncio para reflectir. Entra-se voluntariamente num processo de autêntica confiança no outro, numa tradição em que te deixas levar por completo - desde da alimentação, ao descanso, ao lazer, aos projectos de vida, ao tempo que se fala com a família e amigos. No entanto, permanece uma enorme liberdade para, a qualquer momento, fazerem-se as malas e voltar para casa. Cerca de metade daqueles que entram no noviciado jesuíta, ao longo dos doze anos de formação, acabam por sair - o que não resulta em nenhum tipo de dificuldade ou constrangimento para a Companhia, isto porque se trata de um local de discernimento, descoberta e verdadeira liberdade. Em Portugal, o contributo e acção edificante que os Jesuítas tiveram no campo da educação são manifestos, no entanto, muitas vezes desatendidos ou desconhecidos. O Padre João acha que existe uma ingratidão E como agilizou e coordenou isso no decorrer de uma formação tão longa?
Quadrante, 2023
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