Quadrante 15
Arte Atemporal
por Marta Sofia Prata Antunes
Há algo de impressionante naquilo que resiste ao tempo. Fascinamo-nos com aquilo que é mais antigo; talvez pela pequena oportunidade de nos deslocarmos temporariamente para um momento e lugar remotos da nossa própria realidade quotidiana, talvez pela confrontação da nossa efémera vida com algo que se apresenta perante nós como imutável: que existe por assim o ser, deixando uma marca no espaço e no tempo. É natural ter um desejo de permanência na História - procurar um propósito na nossa existência que futuras gerações, as suas e alheias, poderão reconhecer. A grandiosidade é oposta à diminuta dimensão do ser humano no Mundo e de vez em quando há um de nós que se distingue por conseguir dominar ambos num bonito oxímoro. Ou não: há algo extraordinariamente reconfortante no anonimato - viver como roda da engrenagem - preservando para si o espaço e a liberdade das pequenas e grandes decisões da vida, longe do olhar de outrem. Mas talvez seja essa a teima humana que mais resiste ao tempo. Este parâmetro tem uma relevância particular no mundo da arte; desdobram-se aqui algumas questões sobre a valorização de uma peça e o seu subsequente reconhecimento: procuramos continuidade na relevância da mensagem? Ou no método adotado? Ou talvez no objetivo final projetado pelo artista? As perguntas são interdependentes e a sua conexão cíclica. Num tema com muito pano paramangas, a intemporalidade no meio artístico é um prisma multifacetado - além
da análise realizada pelos estudiosos no meio, ressalva-se ainda o olhar do espectador comum, aquele a quem a obra se dirige. Ora, pois, pensemos na intemporalidade da mensagem. O Nascimento de Vénus tende para a multiplicidade de interpretações. Efetivamente, no seus quinhentos e trinta e nove anos, foi objeto de várias teorias, como aquelas elaboradas pelo Movimento Neoplatonismo (que acreditava que este quadro pretendia despertar os sentidos do observador apenas através da beleza da deusa, fazendo-o refletir na conceção de amor divino mediante os seus contornos físicos) ou as teorias de base cristã (segundo as quais o quadro teria inspiração no batismo de Cristo, algo análogo ao quadro homónimo de Giotto de 1305). Símbolo de mortalidade - através dos panos que esvoaçam ao seu lado - esta última corrente veste Vénus como a representante da Igreja que nos conduzirá à salvação. Na verdade, a reprodução da deusa é a primeira pintura de uma mulherMulher nua em grande escala feita durante o período do Renascimento, dado previamente este tipo de trabalho só ter sido elaborado nos clássicos antigos, que o próprio movimento artístico tentava recuperar (uma ode à atemporalidade do Classicismo, acrescentemos). Entre um esquema de cores e composição particular, acompanhados pela idealização anatómica - de que se destacam os braços mais longos e pose impraticável mas segura e estável -,Vénus pretende representar a epítome do padrão de beleza da altura, elevando-a ao nível
Quadrante, 2023
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