Quadrante 15

o realismo, reproduzindo todos os pequenos e fortuitos componentes do quotidiano, a Arte deveria incidir sobre a expressão do espírito, tanto humana como divina e, ao fazê-lo, deteria a Beleza Ideal. Como é claro, porém, tal seria difícil de definir pois duas pessoas diferentes (regra geral) têm duas conceções de liberdade de espírito diversas; a subjetividade é intrínseca e expectável no mundo artístico. Não obstante, de forma objetiva, existem sempre obras que permanecem. Podemos discorrer sobre toda a obra de Vincent van Gogh: os belos jogos de cores, as pinceladas grossas, as linhas cheias de movimento carregam algo de reconfortante - encontramos facilmente em qualquer loja perto de nós um conjunto de itens estampados com os traços d’A Noite Estrelada - sacos de pano, almofadas, isqueiros e até capas de telemóvel que nos permitem levar um bonito excerto para onde quer que vamos. Estas traquitanas têm muita saída no mercado, por influências de modas ou não; às vezes, basta olhar para algo belo para nos sentirmos bem, quer esteja estampado num Tote Bag ou não. A questão é que os quadros de Van Gogh, para a maioria das pessoas, habitam o top de quadros mais bonitos. Ainda que não tão antigos quanto as outras obras referidas, A Noite Estrelada tem uma permanência massiva no nosso dia a-dia e sem sinais de assim o deixar de ser. Novamente, encontramos algo que resiste ao tempo só pela maneira de ser. Todas as obras citadas são reconhecíveis, até pelos menos interessados em Arte. Entre o rol colossal de meios e movimentos artísticos - apesar de haver sempre algo para todos - existem peças que se destacam pelos mais diversos motivos. Retornando ao prisma da intemporalidade, é da natureza do ser humano sentir-se atraído por coisas com permanência, seja esta atração derivada do desejo parassocial de semelhança (de querer ser permanente na

diferente; existe uma ânsia pelo projeto final que se contrapõem ao espanto geral de quem teve a oportunidade de o ver durante o centenário que passou. Dada a tamanha influência que a mão de Gaudí ainda detém sobre o atual projeto, elementos como a mensagem e o método (referidos anteriormente) aqui não se aplicam: conhecido por um incessante “tentar, errar e voltar a tentar” cada um dos seus edifícios transporta uma carga pessoal particularmente acentuada. Aliás, mesmo atualmente, há quem seja contra a continuação da construção da Sagrada Família por a maior parte dos planos e plantas de Gaudí terem sido destruídos; coloca se a questão: será que ainda estamos perante uma obra de Antoni Gaudí? É desprovido de sentido equacionar a Sagrada Família como sendo apenas uma obra quando estiver completa, pois a sua importância advém em parte do seu processo de criação. Ainda que Gaudí não esteja no seu estúdio a acompanhar e a refazer todos os detalhes e passos da edificação do Templo, não implica que quem o visita hoje não encontre o resultado que queria ver, ainda que inacabado - contudo há ainda um desejo coletivo de conhecer o design final sem gruas, panos e andaimes. A Sagrada Família permaneceu e evoluiu no tempo - como milhões de pessoas tiveram a oportunidade excecional de presenciar - e é esta particularidade que a torna simultaneamente intemporal e efémera: é eterna pela sua fachada na cidade de Barcelona e é breve pela sua progressão constante. Mas quem ousa dizer que não é arte? Por último, peguemos ainda na mera ideia da experiência estética. Hegel tentou definir o conceito de Beleza Ideal abstraindo-se dos seus diversos elementos funcionais (ensinar, elevar, decorar e, tão mencionado anteriormente, provocar) e encontrar um só que fosse transversal a todos estes e que por isso se distinguisse, sendo capaz de expressar a liberdade do espírito. Ou seja, em vez de procurar

Quadrante, 2023

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