Quadrante 15

nenhuma ideia da profissão, porque eu fui sem vínculo profissional. Há muita gente que foi fazer doutoramentos para fora do país porque já eram assistentes universitários, eu não tinha nenhum vínculo. No final do doutoramento, vi os meus colegas doutorandos muito preocupados com o passo seguinte - que era arranjar uma posição. Isso inquietava-me vagamente, perceber que a certa altura teria de pensar nisso. Mas, tal como a morte, ia adiando pensar nessas coisas. A actividade em si é que era interessante. A ideia que tinha do que era um bom professor alterou-se quando passou para o lado do estrado? Não muito. Eu tive um professor na instrução primária que era o exemplo da profissão. Era uma figura modelar e excecional - foi o professor mais genial que alguma vez tive, não havia muita gente com aquela capacidade, e isso cria admiração. Eu tinha aí o modelo do que era um grande professor, e quando uma pessoa faz qualquer coisa replica tacitamente aquilo que admira ou gosta. Nos Estados Unidos, encontrei professores que me trouxeram outras coisas que esse não me podia ter trazido, que era uma certa noção de profissionalismo com o nosso campo de estudos. Por exemplo, eu lembro-me do filósofo norte-americano Richard Rorty, que podia não ter escrito uma linha sobre Leibniz, mas, se fosse necessário, conseguiria falar sobre Leibniz porque o tinha lido. Os critérios da profissão requeriam que ele conhecesse genericamente e profundamente a Filosofia, esses critérios de profissionalismo atraíam-me. Eu fui sempre um mau professor com a avaliação, era a parte menos atraente da profissão e fiquei aquém do profissionalismo que deveria ter. Depois havia certas coisas que decorriam naturalmente do profissionalismo: a ideia de que a pior coisa que um professor pode fazer é humilhar um aluno, a ideia de que quando alguém não percebe alguma coisa faz

Como é que concluiu que gostaria de ser Professor de Literatura? Eu nunca pensei ou premeditei ser Professor de Literatura. Eu agora percebo que isto é uma coisa que uma pessoa possa pensar, mas eu nunca planeei nada. Depois do ensino secundário, eu fui para Direito porque era o desfecho natural para quem não ia para Ciências, para Medicina ou para Engenharia. Até havia uma diferença de género absurda que hoje foi superada: rapazes iam para Direito e raparigas iam para Letras. Acho o Direito, enquanto construção intelectual, cada vez mais interessante, mas na altura o curso não me pareceu muito interessante e eu não sabia exatamente o que fazer. As licenciaturas tinham cinco anos e a perspectiva era sobre o que fazer durante aquele tempo que seria de um relativo ócio ou lazer. Aquilo que eu gostava mais de fazer era não fazer nada, (um nada recheado de muitas coisas que uma pessoa sempre faz), ou ler. Como eu dominava bem o inglês fui para o curso de Estudos Anglo-Americanos. Mas quando estava a estudar não tinha a mínima ideia do que iria fazer com o curso, não tinha nenhum horizonte à frente. Não admirava a figura do Professor? Eu tinha admiração por alguns Professores, mas não era uma admiração que me levasse a pensar em ser Professor. Mas eu não pensava em ser nada, não havia nada que eu pensasse que ia ser. Eu era levado pelo que estava a fazer naquele momento. Isto também se prende com a época, porque todos os estudantes do sexo masculino sabiam que estavam na iminência de serem chamados para a guerra colonial - isto era um impedimento para fazer projetos ou planos. Quando acabei a licenciatura não sabia exatamente o que fazer, então percebi que o melhor seria arranjar uma bolsa para continuar a ler. Foi assim que fui fazer o mestrado e o doutoramento para fora do país, mas sem

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Quadrante, 2023

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