Quadrante 15

eram licenciaturas dos seus departamentos, é que tinham legitimidade ou a capacidade para estarem sentados naquela sala de aula, e que este aluno de Estudos Gerais não tinha a capacidade para estar na aula de Álgebra. Este preconceito teve de ser progressivamente destruído quando se começou a perceber que os alunos de Estudos Gerais eram alunos intelectualmente fortes como os outros. Podiam ter menos preparação num campo específico, mas tinham a capacidade de suprir esse défice de progressão em muito pouco tempo. Como surgiu a ideia sobre Estudos Gerais? Em Portugal, um aluno quando acaba o Ensino Secundário entra numa licenciatura monotemática, por exemplo Geologia ou Direito, e estuda apenas Geologia ou Direito durante três ou quatro anos. Pergunta-se: isto é uma educação universitária? Não, isto é uma educação vocacional em escolas vocacionais. A Universidade portuguesa está fundada em faculdades que oferecem licenciaturas monotemáticas onde o ensino é vocacional. Não existe qualquer grau de interação com outros domínios e saberes, isto tudo é mutilado. No livro que eu e o Miguel Tamen escrevemos, (“A Universidade como deve ser”, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2017), nós dizemos que no tempo do salazarismo presumia-se que o ensino secundário era enciclopédico, que as pessoas passavam por ali e ficavam cultas e depois podiam ir para Matemática, Geologia ou Direito. Isto é uma fraude total porque, em primeiro lugar, o ensino secundário estava longe de ser enciclopédico ou até bom, e a presunção de pseudo- enciclopedismo que daria uma cultura geral à pessoa que lhe permitia ter a indulgência de se dedicar a um campo particular à exclusão de tudo o resto é falsa. Nós também não estávamos a inventar nada; na Europa continental não havia

todo o sentido repetir de outro modo para tornar a posição mais inteligível; há um ganho na repetição, quer para o aluno quer para o professor. Além da docência, também teve outro tipo de funções na Universidade e fora dela. O trabalho mais administrativo foi interessante? Eu quando era só professor na faculdade queria ser só professor - o que me atraía na profissão eram as aulas e a possibilidade de poder ler em casa e poder pensar sobre o que estava a ler, isto para mim era a profissão. Escrever, por exemplo, era uma coisa abaixo destas, era menos interessante. Tanto quanto possível, desejava não perder tempo em trabalho administrativo que me roubasse tempo a ler e a pensar no que estou a ler. Quando se é aluno e se pensa na sua vida futura, (que não foi o meu caso), as pessoas não sabem que as experiências vão surgir com oportunidades, e tem de se ter a capacidade de apanhar oportunidades que sejam interessantes. Por exemplo, a direcção da Faculdade foi muito interessante porque implicava mudar muita coisa depois de uma época mais turbulenta, e mudou se realmente muita coisa, não se faz hoje ideia do que era a Faculdade de Letras antes dessas mudanças. Sim. Tal como disse, as possibilidades abrem-se e uma delas foi a criação da licenciatura de Estudos Gerais. Em Letras, eu e o Professor Miguel Tamen, com o apoio de outras pessoas, conseguimos falar e motivar os Diretores das Faculdades de Ciências e de Belas-Artes para criarmos a licenciatura. Tivemos vários obstáculos, a licenciatura não foi bem aceite na Universidade e na Agência de Acreditação. A maior objecção não vinha de alunos, vinha de docentes que achavam que apenas os alunos da licenciatura a que quase exclusivamente davam aulas, que Foi nessa altura que surgiu a ideia da criação da licenciatura de Estudos Gerais?

Quadrante, 2023

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