Quadrante 14

rada dizer que tal acontece apenas porque não existe interesse dos espectadores em ver o que por cá se produz. Para isso, é necessário com- parar o número de semanas de exibição entre os vários filmes, o número de ecrãs em que pas - sam e a sua distribuição geográfica, o dinheiro a que têm acesso para a promoção que fazem dos mesmos e até os horários em que os vários filmes são programados. Em todas estas cate - gorias, perceberemos que a questão da viabili - dade económica destes filmes - que não deveria sequer ser um critério para implementar polí - ticas em defesa da exibição do Cinema Portu - guês - não pode sequer ser discutido enquanto as condições em que uns e outros são mostrados forem tão díspares. A única forma de corrigir esta situação é através de políticas que permitam uma pro - moção mais abrangente dos filmes e lhes dêem mais espaço nas salas, de forma a quebrar a si - tuação actual, com raízes antigas na dependên - cia dos distribuidores e exibidores portugueses do mercado norte-americano. Mas não basta. É necessário democratizar também o acesso ao cinema, estimular a abertura de cinemas no in- terior e reactivar os cinemas de bairro, fora dos centros comerciais, que hoje se contam pelos dedos de uma mão a nível nacional. Em 2012, o crítico de cinema Ricardo Vieira Lisboa lem- brava duas medidas implementadas na Argen- tina para proteger a distribuição e exibição do seu cinema: “uma taxa sobre o número de có - pias de filmes estrangeiros (quanto mais cópias tem um filme mais paga) e o apoio ao restau - ro e construção de cinemas de bairro”. A estas,

acrescentaríamos a proteção dos cinemas de bairro dos ataques do mercado imobiliário, im - pondo rendas controladas e impedindo que es - paços que albergam cinemas possam dar lugar a outros negócios - como foi o caso do Cinema Londres, entre tantos outros. A reaproximação do cinema das pessoas, reintroduzindo os cine- mas de bairro nas comunidades de forma a res- tituir o cinema como um espaço a que se vai a pé e onde se pode ir com mais frequência, sem que isso implique uma quebra na rotina muito maior do que a duração dos próprios filmes. A isto, e porque acreditamos que não cabe ao cinema e às artes a função educativa, é tam - bém essencial acrescentar o investimento na educação para as artes, quer através de projectos como o PlanoNacional de Cinema ou responsabi - lizando a RTP com o papel de formação de públi - cos que abandonou há décadas e que contribuiu para uma uniformização acrítica crescente do gosto. Está nas nossas mãos darmo-nos voz. Da liberdade de ser jovem emLisboa de Pedro Cabe - leira à densidade como que Pedro Costa retrata a vida de imigrantes cabo-verdianos numPortugal pós-colonialista, a diversidade doCinema Portu - guês espelha as diferentes origens e o confronto de ideias que nos une como povo. Democratizar o acesso à cultura emunir as novas gerações (e não só) de instrumentos para a descodificar e através dela se exprimirem- seja criticando ou pratican - do - permitirá cumprir o diálogo entre a vida das pessoas e a arte, fundamental à criação e à saúde de qualquer democracia. Março, 2021

Pedro Soares Teixeira - Montador de Cinema

20

Quadrante,2021

Made with FlippingBook Digital Publishing Software