Quadrante 14

de qualquer esperança num tempo projetado, mas tentando transportar a admiração que ofe - recemos ao futuro para o tempo passado. Não será mais merecedora de devoção uma dimen - são temporal cheia do que outrora foi vida, sempre pronta a provocar-nos, insultar-nos, na qual residem todas as nossas experiências afe - tivas, e mesmo todos os arquétipos que funda - mentam a imagem que temos de nós e dos ou - tros, uma dimensão que nos tenta a odifica-la e a reescrevê-la a cada dia que passa, do que uma outra dimensão que possui não só o poder de prometer e não oferecer, mas também aquele de apagar o que foi lapidado? A razão última de se almejar alcançar o futuro é o controlo do passa - do, indo de encontro à máxima Orwelliana. Não é no futuro que se encontra o tutano da existên - cia, e desde Dostoiévski e Walt Whitman com papel, a Tarkovsky e Jonas Mekas com celulose, encontramos a corroboração de que aquilo me - recedor do propósito que governa a nossa ação

não reside numa promessa, mas sim num aqui e agora, que eventualmente acabará por se tornar um capítulo do passado. Memórias, algumas das quais nunca acabarão por desaparecer ou desva - necer-se, que permanecerão sempre lá, à espera de se apoderaremde cada umde nós nomomen - to oportuno, tornando-se, eventualmente, mais fortes que a própria realidade que nos envolve. Talvez seja tempo de nos sentarmos à mesa e mergulharmos uma madalena num chá, agra- decendo por sermos capazes de a associar a algo imutável e embrutecido pelo tempo, gravado no âmago de nós mesmos, que nos tornou aquilo que somos e que dita as linhas segundo as quais agimos, e não louvá-la pela possibilidade que esta alberga em nos ir tornar outrem distinto. Afinal de contas, e sejamos realistas, que mais seremos senão alguémque acabou o lanche, cuja barriga se apresenta agora mais pronunciada e que pesa mais algumas gramas?

Hugo Teixeira – Mestrando em Eng. Física

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Quadrante,2021

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