Quadrante 14

O jornalismo vive atualmente num compas- so de espera, batalhando em diversas frentes. Pretende-se consolidar um modelo financeiro lucrativo a partir do digital, mas vive-se ainda sob lógicas tradicionais de produção. Generica - mente, a forma de fazer jornalismo não mudou radicalmente desde os anos 60. Pode haver mais formas de encontrar informação, mas o seu tra - tamento permanece humano e por isso feito à medida da responsabilidade de cada um. E aqui começa a principal luta de quem escolhe enve - redar por esta profissão. 6. Por mais pressão que haja, de admi - nistrações, direções ou até mesmo vinda de fora, nomeadamente das redes sociais, o jor- nalista deve entender como aquilo que produz deve estar de acordo com as normas éticas e morais aceites, mantendo intacta a sua capa- cidade de trazer à luz aquilo que permanece no escuro. E perdoem-me a metáfora. Não existe jornalismo isento. Escrevemos sobre a espuma dos dias – acompanhando ou não as diversas agendas –, temos pontos de vista sobre o que nos rodeia e habitamos poeticamente (e po- liticamente) a terra, parafraseado Hölderlin. Concomitantemente, diversos autores apon - tam para uma diluição do jornalismo no ciber - jornalismo, mas estou convencido do contrário. Com o aparecimento da Internet surgiram nar - rativas inovadoras e práticas inéditas. Géneros como o hipertexto, a multimédia, a interativi - dade e a instantaneidade passaram a fazer parte do nosso dia a dia e nada aponta para que isso não possa até reforçar a importância desta pro -

fissão. Não obstante, mantenho-me receoso: surgiram grandes pedras pelo caminho que o próprio jornalismo não soube ainda enfrentar e que, tardiamente, pode não conseguir controlar de forma a manter a sua vitalidade. 7. Nas palavras do poeta e jornalista por- tuguês Eduardo Guerra Carneiro, “isto anda tudo ligado”. Desde que li esta frase, há uns anos, que não posso deixar de admirar a sua subtileza e total acutilância. A escrita, o jor- nalismo, a esfera digital e a forma como obte- mos informação estão hoje em dia todas ligadas por sistemas que são difíceis de compreender, quanto mais de regular. O futuro da profissão – falando em termos pessoais – não me parece, pelo menos para já, risonho, sobretudo pelos constrangimentos económicos, mas também pela rapidez de informação vinculada que nos parece conduzir para explicações instantâneas e superficiais da realidade. É pouco, muito pouco. Independentemente disso, acredito que quem olhar de forma otimista para o facto de vivermos numa época de tanta criatividade, certamente encontrará também formas de transformar o próprio jornalismo numa área essencial, na qual a escrita será uma arma contra a ignorância e aqueles que atentam contra a liberdade. Vejo bons sinais disso no jornalismo independente e estou em crer que, como leitores, se fizermos o nosso trabalho de filtragem, colocaremos tam - bém pressão sobre os meios tradicionais, para que sejammelhores a desempenhar o seu papel. Talvez nesse dia, os possamos voltar a apelidar de “quarto poder”.

Ricardo Ramos Gonçalves - Jornalista

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Quadrante,2021

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