Quadrante 14
determinado dia) exige que passemos pelo cri - vo da massificação da informação e respectivo alojamento num canal exclusivo para cujo bem - -estar contribuímos sem sequer percebermos como, a última perda de liberdade de escolha ficou algures lá atrás (é impossível saber onde ). Não é que sejamos ‘escravos’ da desinformação, como os jornalistas gostam de proclamar; é que não há libertação ou abolicionismo como ponto de referência futuro, se a medida da emanci- pação provém do mesmo recipiente opinativo, quer se autoproclame ‘científico’, ‘fact-che - cking’, social e ambientalmente ‘sustentável’ ou até politicamente conservador (o mesmo é dizer: estabilizante). Uma curiosidade artística e biográfica sobre o escolhido Arauto desta crónica (que faz, além disso, jus ao seu peculiar sentido de hu- mor): um pioneiro da produção de computado - res na década de 1960, e sempre avesso à mais mínima tentativa de intervenção mediática ou crítica no seu trabalho criativo, John Coetzee terminará os seus dias na pequena cidade de Adelaide, no sudeste australiano, ultimando uma complicada crónica sobre a vida e a morte de Jesus Cristo.
tiva, deixando de ser móbeis de compreensão pessoal e interpessoal. A verdadeira ameaça da mediatização da vida comum e da vida íntima dos cidadãos, hoje tornada quase impercetível, por pura falta de alternativas percepcionáveis, é as pessoas deixarem de entender que estão a ser violentamente manipuladas e tornarem-se coautoras da sua própria eliminação moral. No fundo, algum esforço de distanciamento crí - tico em relação à figura do Arauto – aqui por mim adscrita a elementos pouco discerníveis do trabalho de um escritor ainda menos conheci- do entre nós – permitir-nos-á compreender a trajectória da sua voz num horizonte temporal lento, mas implacável. Senão, vejamos: no tea - tro, na política, dentro da vida pública de uma comunidade, de um país ou de um mundo que, de tanto sofrer um século marcado pelo jugo medonho da imposição de fronteiras e zonas fronteiriças inultrapassáveis, sonhou em eli - miná-las e reconverter a terra numa espécie de grande planalto global, a figura do arauto é tão determinante como repudiada. E o seu destino, na qualidade de mensageiro de más-notícias, é dissolver-se no olvido – mas não sem que a sua mensagem se trivialize ou se dilua entre as nuances da vida prática de, quase literalmente, toda a gente . Quando a única maneira de receber notícias práticas com um teor normativo abso- luto (como poder ou não poder sair de casa num
Ana Falcato - Investigadora Doutorada em Filosofia na Universidade Nova de Lisboa (FCSH)
52
Quadrante,2021
Made with FlippingBook Digital Publishing Software