Quadrante 14
públicas hão eternamente de viver sob o sim - ples “bom dia’’, a compostura, nesse contexto, é primordial. Felizes são os que quebram as cor - rentes da sanidade do decoro. A falta de transparência do ser é tam- bém o motivo pelo qual reina a insegurança, o escudo torna-se a melhor arma na batalha em que padrões figuram um cenário arbitrário. Por detrás dele, é possível enxergar gladiadores com seus admiráveis elmos a morrer, em prol de um objetivo comum, o contentamento mú- tuo – agradar os seus já não basta à completude da vida que se encontra no benévolo julgamento dos Outros. E com isso são palavras não ditas, noites mal dormidas e vidas não vividas, a per - sonificação do fracasso. A previsibilidade é além de um automatismo, um câncer, que consome vagarosamente a liberdade, nos deixando eter - namente impotentes. Contudo, não quer dizer que devamos fazer o que bem quisermos ao bel prazer, mas que sejamos mais nós, em nossa mais pura “coletividade individual’’. A tudo isso, há uma razão; somos eter - namente responsáveis pelas ações que pratica - mos, e a imprevisibilidade é também irrever- sível, bem como as consequências da mesma em um ambiente intransigente. Sartre, ainda nos revela uma característica adicional, ao vis- lumbrar o maniqueísmo da essência humana e o pesado encargo das decisões, elucida: nossas escolhas provocam uma responsabilidade não somente ao homem, mas a toda a humanida- de. Em “A Condição Humana’’, livro da filóso - fa Hanna Arendt, publicado em 1958, a autora ressalta tais características contemplativas da ação individual na sociedade, que, em sua vi - são, constituem um forte caráter político, no qual a revelação de sua pessoalidade e do agir, são, em verdade, a libertação do homem. Nes - sa perspectiva, os resultados das ações dos ho - mens estão para além do controle dos atores,
a ação possui um aspecto comunitário, inse - rida em um contexto amplo na sociedade. Eis, portanto, a importância da imprevisibilidade, cujas reações retiram-se do alcance do sujei - to, permanentemente exposto ao previsível, e a denotam uma atividade livre na qual a ação do conjunto é transmutada pela singularidade do agente, a épica interrupção do processo. A percepção histórica e política de Arendt quanto à condição humana, estabelece que a ação, em suas diferentes iniciativas, permite construir a teia das relações humanas. A reação, contudo, é além de uma resposta, uma reação em cadeia com poder de atingir e afetar. A pacificação é uma forma de conforto. Os efeitos das ações, ou de uma impre - visibilidade d’alma, são irreversíveis. O poder em que sustentamos as razões à imprevisibili - dade, é também a consequente impotência dos atos que efetivamos. Destarte, a obscuridade do ato, pode ser tanto a manifestação da liberta - ção, como o punhal que lhe atinge a posterio - ri; a irreversibilidade tem efeitos perenes e que podem fazer-se cruéis. A faca é de dois gumes, e pode acertá-lo. Lunático, insano, absurdo, definições de padrões alterados. Em tempos de comodismo, sair da zona de conforto e da pre- visibilidade, talvez, torna-se cada vez mais ne- cessário, uma verdadeira pulsação da condição humana. Antes fosse o escravo de Anna Arendt, que o faz pela necessidade, agora já com “liber - dade’’, o satisfaz a comodidade.
Salus Henrique Silveira Ferro, Mestrando em Direito e Ciência Jurídica na especialidade de Ciências Jurídico-Políticas –FDUL
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Quadrante,2021
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