Quadrante 14
Consideras que Mira de Aire, a terra, as gentes, a tua família… enfim… as tuas raízes, são um ponto de retorno ou um ponto de fuga em relação ao teu percurso artístico? Tenho ligação com as artes desde sem - pre, desde que me lembro. Os meus pais, o meu tio e muitos dos que os rodeavam, já estavam dentro do mundo das Artes Gráficas – da se - rigrafia, da escultura, da pintura e do design – e desde pequeno que cresço nesse universo. Recordo-me de ser jovem, criança ainda, e os meus pais fazerem noitadas a trabalhar na fá- brica enquanto eu dormia no meio das caixas de cartão. Cresci por isso, no meio dos materiais. De miúdo que o meu pai me introduziu a vá - rias técnicas. Ensinou-me as características das matérias e a utilizar ferramentas, o que me le - vou a fazer os meus próprios brinquedos – com cartões e coisas que ia encontrado na fábrica – e aos poucos, de forma progressiva, tudo come- çou a evoluir até chegar onde estou. Obviamente que recebi outras aprendizagens de referências exteriores… através da Escola de Artes – falo do Secundário e da FBAUL – todo esse conhe - cimento, de pessoas realmente especializadas a nível académico, veio complementar essa parte técnica que o meu pai me originou na escultura e a minha mãe no desenho. Atendendo ao teu percurso académico seguir alinhado às Belas Artes, como a vês a tendên- cia para a profissionalização do Artista? Acre - ditas que para ser artista basta um diploma universitário em Pintura, Escultura ou Dese- nho? Ou não é propriamente consequência? Tal qual quem é diplomado em Direito não é necessariamente Advogado ou Magistrado? Durante muito tempo a Academia foi, sem dúvida, algo que regeu os antigos ideias da Arte, aquele que era o padrão da qualidade, do bom gosto e da boa técnica, nesse sentido a Aca-
demia tem o valor de ter preservado a tradição. Todavia, a Academia também é contraprodu- cente, também se torna bafienta ao segurar um paradigma estagnado. Nesse aspecto, se obser- varmos o Modernismo - o qual valorizo, mas também crítico – quebrou o preceito académico - não só o Modernismo, evidentemente, tam - bém o Impressionismo e todos os movimentos antiacadémicos, romperam e criaram novos pa- radigmas. O que por si confere a importância dos ciclos de mudança entre ter certezas e duvidar… Como colocou Amadeo de Souza-Car- doso, “Eu não sigo escola alguma. As esco - las morreram. Nós, os Novos, só procuramos agora a originalidade.” … Isto prova que a Academia não é indis - pensável para a formação de artistas. Simulta - neamente qualquer bom artista, siga ele a via académica ou a via livre, necessita de ser alguém que estuda por si próprio – que pega em Livros e vai à procura, que encontra ou cria formatos de trabalho e explora-os exaustivamente, que coloca questões e que procura soluções – e além do espírito de estudo obrigatório, para for - mar um bom artista, é necessário o espírito de descoberta, a necessidade insaciável de ir para além daquilo que já foi encontrado. Para isso, é preciso estar disposto a caminhar em estradas hostis e a ser esmagado pelo desconhecido. Considerando o que coloquei anterior- mente, num momento em que é comum re- cém-licenciados em Belas Arte se apropria- rem do título de Artista, consideras-te um Artista? Consideras estar empercurso, emvia, de te tornares Artista? O que, afinal, torna um Artista… Artista? Penso que o século XXI se caracteriza por vivermos no século da Identidade, as pes - soas identificam-se com qualquer coisa, tanto assim é que se chega ao insólito de pessoas se
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Quadrante,2021
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