Quadrante 14
autoproclamarem “influencers”, indivíduos que profissionalmente afirmam influenciar ou - tros (risos). Tanto que na Arte é um pouco igual, desde o Dadaísmo que, muito facilmente, podes fazer qualquer coisa e intitulares-te de Artista. Tenho a noção que de fora podem-me consi - derar Artista, contudo sinto estar mais em vias de me tornar um do que realmente o ser, pois não bastará terminar o curso, fazer algumas obras, uma dúzia de exposições sonantes, ad - quirir diplomas e menções honrosas para ago - ra ter um crachá a dizer ‘Artista’. Também não posso ser cínico, todas essas coisas têm o valor da conquista e do reconhecimento pelos meus pares, mas em última estância, é importante ter a humildade para reconhecer que não são papéis timbrados nem números que definem quem é artista. É uma coisa constante, eu prati - cava um estilo há dez anos, hoje pratico outro e nos próximos dez pretendo ter explorado ainda mais coisas, nunca me saciar, ser eternamente incompleto. Nesse aspecto prefiro não me ver como um Artista, mas ver-me como um criador - a criar-se a si e à Obra - alguém que pega em ideias e fragmentos do mundo, que os junta e reconstrói o seu próprio tecido, o tecido do meu universo de causas próprias. Há uma vida própria nas tuas obras, que se dissociam de ti enquanto Criador, ou são extensões de ti materializadas no mundo, que vivem presas à tua pessoa? A minha obra não é autobiográfica, não transporto a minha vida para a vida das minhas obras. Elas são uma coisa à parte de mim, não precisam do autor para falarem, nem reflectem obrigatoriamente os meus ideais. A minha cria- ção, como surge com propósito específico - sem pretender veicular mensagens, mas antes fazer questões acerca do Mundo – ainda que trabalhe a matéria e o pensamento em simultâneo, não atendemde forma dualista, mas antes unificada.
Ao criar cada peça, cada uma é um ser próprio com o seu próprio corpo, energia e discurso. Te - nho uma convicção, um ponto de partida, uma direção e (depois) umponto de chegada. A Obra é o resultado final, que acarreta um processo om - nipresente. No ponto de chegada, no final dessa jornada, a Obra é um ser individual, que não se prende a mim, mas há sempre umpouco de mim que lhe é trespassado. Vejo isto no plano das Ciências Naturais, da Lógica Natural: um filho não é o pai, mas tem características do pai. És uma pessoa que utiliza a indústria para criar muito do teu trabalho, mas coinci- dentemente acabas por ser anti-industrial. A indústria pressupõe a padronização de toda a criação, mas tu reutilizas essa indústria – ou seja, reinventas essa indústria, sem padroni - zar toda a tua criação, as tuas obras são todas elas individualmente individuais. Nunca me tinha atendido dessa forma. No entanto, muitas vezes o industrial é uma pa- dronização falhada. No caso da Arte, as pessoas que trabalham serigrafia, gravuras, etc. apesar de utilizarem a mesma matriz de impressão, as impressões não são todas iguais. Há essa falha no padrão, a matéria tem vontade própria e as ma - trizes são erodidas pelo seu uso. Todavia, se pen - sarmos nas coisas digitais uma imagem no meu computador pode ser igual à que obténs no teu. Como no Design? Sim, como o Design de massa, o “fast - -food” visual. O mesmo pode já não se aplicar ao Design autoral.
Consideras que tens uma dimensão es-
piritual e metafísica na tua Obra?
Tal como referi, visto que há uma sim - biose entre espírito e matéria, acabo por não dissociar ambas as partes. A própria física acaba por ter um carácter, uma essência viva. Não sou
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Quadrante,2021
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