Quadrante 15
tempo que demora a correr, ou que é somente inválida porque esse tempo ainda não correu. E queremos chamar a atenção do leitor para alguns casos que podem servir de paradigma. A arte mexicana contemporânea, por exemplo, é incontestavelmente válida. E é nacional porque é válida em relação ao povo que eloquentemente exprime e é moderna porque reflecte o homem não só na sua dimensão espacial mas também na do tempo. O expressionismo vigoroso de Rivera e Orozco é um ponto de fidelidade ao sítio e ao momento, com mérito na eleição da forma artística definidora da mentalidade exacta. Também a pintura japonesa é outro exemplo que pode ser elucidativo. Moderna porque do seu tempo, autêntica porque moderna e afinal válida porque autêntica, reflecte a mentalidade quase infantil do homem japonês, balõezinhos de cor, papagaios de papel, casinhas de madeira e lendas nos bosques misteriosos dos sopés do Fu-Jiama. A pintura aparece linear, simples, agradavelmente colorida como cromos ou iluminuras medievais. Nela está o Japão, o homem, a sociedade, o tempo. O problema assim posto parece não ter outra solução que não seja aconselharmos os nossos artistas, a bem da coerência, a apagar da memória as lembranças do moderno. E até porque este moderno vem sendo, em Portugal, objecto de uma recepção quase intemporal, não se atendendo muitas vezes a ordens lógicas de precedência dos problemas estéticos tal como eles foram surgindo à consciência dos artistas através dos diversos movimentos pictóricos que integram a dita fase moderna das artes plásticas. Assim, quando a evolução para o abstracto se faz desde os estudos de Constable e Turner sobre a paisagem, passando pelas preocupações sobre os efeitos instantâneos da luz nas formas dos objectos, gratas aos impressionistas; pelas reacções de Cézanne e Seurat contra estes últimos no estudo aprofundado das formas da esfera, cilindro e cone e traçado de linhas verticais, horizontais e angulares; pelas «Demoiselles d'Avignon» de Picasso que, juntamente com Braque, iniciou o movimento
Qual é esse problema, afinal? Traduz-se com simplicidade na complicada fórmula do desajustamento dos tempos. Verificada a inexistência de actualidade em Portugal, onde os movimentos artísticos são recebidos anos depois, numa época e numa sociedade que não são aquelas sob cujos imperativos esses movimentos surgiram, e sendo eles próprios modernos pelo simples facto de se- rem do seu tempo, aproximamo-nos da conclusão quase absurda de que a arte moderna que actualmente se faz em Portugal deve ser tão inválida como a antiga. Se esta última viu já logicamente ultrapassados os seus fundamentos por razões não só estéticas mas ainda assim sociais, também o futurismo não pode ter significado fora do ambiente duma revolução industrial (caso italiano em 1914), nem o surrealismo alhear-se das premissas sociais que o justificam como descoberta nas regiões subconscientes de mundos estranhos e tentaculares, nem o geometrismo ter valor num meio social abertamente casado com a emoção instintiva. E o facto é que Portugal não conhece ainda o clima específico da industrialização, não possui estímulos para a tomada de posição sur- realista e integra uma sociedade essencialmente emotiva e arrebatada, aliás inclinada para centros de interesse em que o nível artístico e a maioridade intelectual deixam bastante a desejar. Que nos restará, afinal? Lamentar o tempo perdido, a nossa aflitiva atemporalidade? O que é que do moderno é válido em Portugal? Se a arte se estriba fundamentalmente para o efeito de críticas externas contra a validade no reflexo que pretende ser da sociedade em que se gera, como pode uma sociedade ultrapassada pelo tempo ver-se reflectida em obras que se afirmam modernas? Serão estas obras meras aspirações ao éden da cronologia? Tentativas para descobrir em antevisão a solução de problemas que não temos mas que seria bom que tivéssemos? Mesmo assim, não nos parece que seja fácil, em presença de um quadro ou de uma escultura nacionais, sustentar ou que é moderna porque namora platonicamente o ajustamento com um
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Quadrante, 2023
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