Quadrante 15
de certo modo, alheado das preocupações que os fizeram nascer, modificar, ultrapassar, corrigir? Então, artistas portugueses contemporâneos, esqueçam essas sortidas pela cronologia e deixem se ficar pelo naturalismo de oitocentos, façam retratos do Dr. X, trechos da Boca do Inferno, panoramas da Serra do Caldeirão, romarias em Carrazeda de Anciães, poentes sobre as Berlengas, auroras minhotas, meninas de serão tocando Chopin, e outras expressões igualmente fidedignas da vossa-da nossa modernidade. Mas serão assim, verdadeiramente, do «seu tempo»? Felizmente para eles e para nós que o problema tem outra forma de se equacionar. Soluções pictóricas individuais transcenderam já os seus próprios criadores, sobrelevaram os ambientes inspiradores, ergueram-se para além das musas, de forma a constituírem hoje como que um património comum das artes plásticas, uma aquisição do homem para a sua realização mais completa. O assunto a tratar, o tema da produção, a intenção do artista, sugerem a forma, a técnica, o material a utilizar. E se é certo que este último aspecto aproveita das lições do passado, das experiências anteriores, das tentativas elaboradas pacientemente nos ateliers de todos os «percursores», não é menos verdade que o assunto, a intenção pictórica, viu dentro de si a própria forma eleita a um lugar cimeiro e tida, ousadamente, como um elemento de superior e por vezes única importância. Trabalha-se com formas, com cores, com braços, com a resolução dos problemas inspirados no espaço da tela. Aí se procura um equilíbrio, uma harmonia, um ritmo, uma poesia, no pleno domínio do abstracto, sem que se tenha por intenção dar uma ideia do equilíbrio da balança, da harmonia do arco-íris, do ritmo do cavalo ou da poesia da flor. E as contribuições dos pesquisadores antigos são aproveitadas de pleno» com inteira legitimidade pelos artistas modernos, mesmo que estes tenham novamente uma intenção diversa do abstracto.
cubista, em seguimento dos estudos de Cézanne e Seurat; pelos Orfistas de Paris, Delaunay, Kupka e Picabia empenhados no aprofundamento da abstracção; pelo consequente sincromatismo do «Paris-América» com Mac Donald-Wright e Morgan Russell; pelo expressionismo alemão (Kandinsky)epelaabstracçãoorgânicadoGrupoBlue Rider; pelo suprematismo de Malevich; pela reacção contra a feição estática do cubismo, iniciada pelo Futurismo italiano com Boccioni, Carrá e Severini; pela evolução até à pintura metafísica de Giorgio de Chirico, o percursor da linguagem surrealista; pelas ulteriores experiências no caminho do abstracto tentadas na Rússia por Pevsner e Gabo, na Holanda pelo Grupo Stijl com Van Doesburg e o percursor Mondrian, na Alemanha pelo Banhaus do lado do expressionismo romântico-cubista de Feininger e do surrealismo geométrico de Klee, na França pelos «puristas» Le Corbusier e Ozenfant insurgidos contra o papel decorativo do cubismo post- -1914; passando por toda esta longa evolução até às manifestações mais recentes de Picasso, Moreni, Manessier, etc., quando a evolução do abstracto, dizia- mos, se processa deste modo, em Portugal, as coisas passam-se duma forma estranha. Afora uma exposição no Porto e outra em Lisboa, em 1916, de Amadeo de Sousa Cardoso, só por volta de 1945 se começou a ouvir falar de arte abstracta. Aparece neste ano um abstracto geométrico de Fernando Lenhas, e Cândido da Costa Pinto apresenta quadros «não figurativos». Em 1949, António Dacosta, Fernando de Azevedo e Moniz Pereira fazem não-figurativo na «Exposição Surrealista». Em 1952, Azevedo, Fernando Lemos e Vespeira insistem, desta vez, numa exposição com obras totalmente não-figurativas. Em 1954, a Galeria de Março apresenta o primeiro Salão de Arte Abstracta, e depois vieram em 1956 os «Artistas de Hoje», em 1957 a discutida mostra Gulbenkian, e em 1958 o referido «1. Salão de Arte Moderna». Que nos fica daqui? Evolução? Desde onde e até onde? Como evolução, se tudo nos aparece distanciado do tempo dos originais movimentos precursores e,
Quadrante, 2023
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