Quadrante 15
Presumo, então, que tenha tido um percurso escolar, nomeadamente no ensino secundário, ligado às artes? Tive um percurso escolar muito atribulado. Fui expulso de pelo menos duas escolas, e, com treze anos, passei um ano sem estudar, a trabalhar; curiosamente, a montar uma bienal de arte, a pintar paredes, a aspirar os pavilhões. Depois, também estive ligado aos movimentos de grafiti e arte de rua. Sim, falamos do Porto nos anos 2000, não havia hipótese de comprar quase latas e nem se tinha acesso ao que se andava a fazer. Muitas vezes, deslocava-me a Lisboa para fotografar o que se fazia por cá. É nos seus 18 anos que se dá um período de conversão forte? É nessa idade que se dá um encontro místico, inesperado e fulminante. Esse encontro transforma o modo como me entendia a mim próprio e ao mundo. No entanto, não me fez afastar minimamente da Arte que seguia, que acompanhava e que tentava produzir. Nessa altura, depois de ter perdido alguns anos na escola, acabei por ir para uma escola secundária profissional. A Escola Artística Soares dos Reis, semelhante à António Arroio, que era totalmente vocacionada para o universo artístico, e isso salvou-me por completo. O sistema de ensino estava pensado para que o português, as ciências, essencialmente as disciplinas obrigatórias, fossem lecionadas através da lente da produção artística, e isso permitiu-me ter outra alegria. Na altura fiz cerâmica artística durante três anos, e depois saltei para as Belas Artes. No final do primeiro ano, em Belas Artes, decidi deixar as artes, a cidade, a família - deixar tudo para entrar neste percurso, praticamente infinito, de formação Que nesse período era tido como algo ‘underground’?
na Companhia de Jesus.
Mas, antes disso, o Padre João tropeça na Companhia, através da Associação Rabo de Peixe Sabe Sonhar, nos Açores. Exactamente, através de um trabalho em contacto com comunidades mais precárias e carenciadas. Esse é o primeiro momento em que me cruzo com um Padre que o seu trabalho, curiosamente, também se encontrava ligado às artes - um homem de uma enorme cultura, que falava muito de cinema, de fotografia e de pintura, e que, no fundo, era um Carismático com todas aquelas famílias, conseguia entrar nas casas nas quais mais ninguém entrava, e resolvia problemas que ninguém conseguia imaginar serem possíveis de resolver. E, de repente, diante do grupo com o qual durante onze anos me deslocava aos Açores, surge a oportunidade de fazer os Exercícios Espirituais de Santo Inácio. Sendo que é nesses exercícios que é possível encontrar o ponto, uma Fé que provoca um encontro com a Natureza Humana. Há uma revelação de um Cristo, que é revelado através da Natureza Humana. Essencialmente é um manual de exercícios espirituais, que está escrito para ser feito durante um mês de silêncio. Os exercícios vão sendo orientados por um Jesuíta, ou por alguém com experiência. Prossegue através de vários momentos, e é um tipo de oração que exige muito recurso à imaginação - mais uma vez a fantasia, a imaginação, as relações entre o que vemos e o que sentimos, o que percepcionamos. E a fim de contextualizar: em que consistem esses Exercícios? Num retiro?
Quadrante, 2023
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