Quadrante 15

com uma taxa de criminalidade inferior. O apelo ao sentimento retributivo é irracional e místico; praticar homícidio (art 131º CP) contra quem o haja realizado contra outra pessoa não ressuscita a vítima - a pena de morte não restítui absolutamente nada na vida da vítima. Este apelo é típico da psicologia de massas do fascismo, conforme apontado por Wilhem Reich “No entanto, também o sentimento místico é fonte da ideologia nacionalista. As concepções místicas e as atitudes da família patriarcal são, portanto, na psicologia de massas, os elementos básicos do nacionalismo fascista e imperialista”4. Todos devemos exercer o nosso papel no caminho para uma sociedade justa, livre e igualitária e este papel passa também por uma análise mais humana do direito penal e compreensiva do crime.

É necessário que concluamos sublinhando que responder à prática de um crime com a prática de outro crime não encerra o ciclo de violência; pelo contrário, continua a perpetuá-lo. Assim, é necessário para a saúde da nossa democracia que compreendamos mais humanamente a prática do crime e o alegado autor do ilícito. A insegurança, incerteza, vulnerabilidade e obscuridade da prática criminal não são o terreno indicado para o surgimento de manipulações políticas retributivas que sugerem a pena de prisão perpétua, de morte ou a utilização de castigos físicos. Queremos e pretendemos que o leitor deste texto se consciencialize que é completamente legítimo sentir-se incomodado, desconfortável, com raiva ou desgosto face à prática de um crime contra um ser humano em princípio indefeso. No entanto, as forças que sugerem respostas penais mais graves e completamente desconformes com a Constituição da República Portuguesa (tendo em conta o disposto dos Arts 1º, 13º, 18 nº2, 24º, 25º, 30º e 32º CRP), pretendem manipular politicamente os sentimentos da comunidade quanto à prática de um crime para tentar legitimar o agravamento do poder punitivo do Estado. Manipular estes sentimentos é utilizar o sistema penal como arma, convencendo a sociedade que este não oferece respostas e é completamente ineficaz, o que fortalece a raiva da sociedade não só relativamente ao crime praticado mas também relativamente ao próprio sistema penal e dá ainda origem a comentários também eles criminosos, como a presente declaração relativa aos alegados homicidas de uma criança “E estes monstros, não morrem?”. O papel que deve ser tomado pelas forças políticas não é o caminho emocional, retributivo e populista - legitimando visões erróneas e incoerentes - mas sim o caminho da preocupação com as questões sociais que subjazem à prática do crime, insistindo na sua prevenção e no futuro de uma sociedade

4 REICH, Wilhem. A psicologia de Massas do fascismo, Livraria Fontes Editora, p.113.

Quadrante, 2023

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