Quadrante 15
há um ponto aristotélico, que é completamente verdadeiro - todas as pessoas são curiosas e gostam de conhecer, há uma espécie de instinto universal de saber. Há pessoas para quem é interessante entender como é que este interruptor funciona ou como é que uma aplicação funciona num Ipad, ou como é que eu posso pôr o meu carro a andar mais rapidamente com menos gasolina. As pessoas também gostam de conversar, (normalmente, uma pessoa taciturna ou silenciosa é considerada socialmente estranha), e a maior parte das conversas são apenas calor linguístico, onde se cria um ambiente quente e afectivo entre as pessoas que estão a falar, mas raramente alguém sai de uma conversa com uma ideia nova, porque a maioria das conversas resume-se a uma pessoa sentar-se à mesa de um café e falar com alguém sobre algo que podia ter colhido no jornal daquela manhã, mas as conversas podem e são muitas vezes interessantes. Se é uma evidência que, genericamente, todas as pessoas gostam de conversar e de conhecer, então suponha que você pode escolher os seus interlocutores, e você pode escolher conversar com uma das cabeças mais fortes que alguma vez existiram. A conversa com esta pessoa é capaz de ser muito interessante, mas para conversar com esta pessoa morta eu tenho de utilizar um aparelho tecnológico mais arcaico, menos luminoso e mais pesado - o livro. Em muitos destes livros você tem algo miraculoso: a escrita pode ser reavivada, pode-se reavivar aquilo que é transformado em escrito, você pode estar na companhia de alguém de 1867 ou 1728. Você, que gosta de conversar e de conhecer pode, subitamente, conversar com alguns dos melhores conversadores em certos domínios. Se o seu interesse é conhecer, então isto é dificilmente comparável com qualquer conversa trivial. Atenção, isto não quer dizer que eu só deva ler e não ter conversas triviais. Na vida das pessoas há um lugar grande para conversas triviais, porque as conversas triviais
A leitura em Portugal ficou sempre afectada pela taxa de analfabetismo que foi muito alta comparativamente a outros países. As alterações tecnológicas de que se fala podem fazer-nos pensar que talvez não afectam a leitura do modo que se diz, porque as pessoas que estão sempre com o Ipad ou com o Iphone estão sempre a ler, a maior parte das pessoas que não leem livros estão constantemente a ler mensagens, posts e outras coisas; podem até ler mais que as pessoas que leem livros. A questão é saber o que é que estão a ler; podem estar a ler coisas interessantes, e isto cria um problema curioso, porque há muita gente que está sempre a ler, só que não está a ler aquilo que as pessoas acham que as pessoas deviam estar a ler - que também é uma presunção um bocado esquisita: que consiste em eu achar ou pensar que sei o que é que deviam estar a ler. Também podemos perguntar às pessoas que defendem a leitura o que é que estão a ler, que tipo de elogio à leitura é que essas pessoas fazem e em que consiste o crédito do elogio que se faz à leitura. É uma questão difícil. É uma questão que eu pensei durante muitos anos porque não percebia qual era a resposta que se podia dar a alguém que pergunta: porque é que eu devia ler? Eu conheço várias respostas, mas as respostas que eu conheço são pouco convincentes: "porque o vai tornar uma pessoa melhor", não penso que isto seja verdade; "porque o vai tornar mais culto", mas por que motivo é eu devia ser mais culto?; são perguntas que continuam porque se pode perguntar: “Qual é o valor da cultura?" Eu entendo que há um grande valor na cultura mas acho que não é autoevidente, não se percebe imediatamente o que é que estamos a dizer com isso. Mais recentemente, eu comecei a tentar pensar num bom argumento a favor da leitura: Também se pode perguntar como é que se convence alguém a ler livros, tem uma resposta para isto?
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Quadrante, 2023
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