Quadrante 14

A importância da Independência em David Lynch

Quando se conjuga a palavra indepen- dência no campo da Cultura e das Artes tende - mos a construir um espaço dedicado à análise e crítica das circunstâncias financeiras do mundo da criatividade, onde se esboça uma guerrilha entre o Estado forreta ou as maléficas corpora - ções focadas no lucro e omundo “indie” que or - gulhosamente vocifera a sua independência de interesses económicos. Esta síntese generalista é o ponto de partida para se demonstrar que o apelo ou combate ao cifrão no mundo artístico é redutor de si mesmo, o exercício que sordida - mente associa a independência a esta discussão não se preocupa verdadeiramente com o estado da arte. O significado de liberdade ou indepen - dência sobe cordilheiras na contemporaneida- de quando se fala em David Lynch, pois é neste autor, (no sentido mais lato da palavra), que o conceito de independente alcança o seu senti - do mais interessante; em Lynch é ilógico asso - ciar o dinheiro à independência artística, pois o movimento definidor desta ideia é aquele que demonstra que ser independente é ambicionar o encontro da voz que define a autenticidade de cada um, no qual o factor económico não é, de todo, chamado para esta definição. O argu - mento e conclusão proeminente desta reflexão extrai-se do facto de que é a independência que concebe a substância criadora do indivíduo.

Muitos estudiosos e atentos analistas da comunidade cinéfila têm tentado entender e fazer compreender a imensidão que existe nas mais variadas obras de Lynch; os grandes cha - vões que têm vindo a associar-se a este realiza - dor passam pela relação complexa que o mun - do dos sonhos tem no universo lynchiano , pelo ressurgimento do surrealismo enquanto forma estética ou pelo enquadramento que os seus fil - mes têm no panorama sociopolítico e artísti- co pós-modernista. Não obstante o interesse e importância que estas temáticas têm para nos fazer compreender este autor, aquilo que mais se destaca na sua essência é a sua perseguição à liberdade total, ao desejo de se desprender de qualquer vínculo a influências exteriores de si mesmo. Quando se tenta desvendar a genealo- gia da filmografia de Lynch surge a tentativa de identificar as obras de Buñuel, Cocteau ou mes - mo de Keaton enquanto ascendentes diretos do surrealismo fílmico herdado por este reali- zador, porém, esta identificação comparatista é carente de razão, pois, a construção da obra lynchiana é isolada de referências e de trocadi- lhos estéticos, o próprio David conta-nos que, acima de tudo, se considera um pintor, que não é um cinéfilo e que desconhece as obras de mui - tos dos realizadores que lhe tentam colar aos seus trabalhos. Esta honestidade, que pode ser lida no livro biográfico e de memórias “Room to

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Quadrante,2021

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