Quadrante 14
tudo, perante todos”. De facto, o ser humano é acompanhado de sentimentos de culpa e res- ponsabilidade, e também de mérito e orgulho, e ao agir sente-se verdadeiramente livre. Se o li- vre-arbítrio não existe, como podemos conde - nar ou ilibar alguém? Como elogiar e censurar? No âmbito do direito, sem o livre-arbítrio, o que justificaria prender e condenar alguém? Tor - nar-se-ia uma questão não de verdadeira culpa, mas mera prudência face a uma pessoa que está determinada a fazer crimes. A pena perderia o seu objectivo de reabilitação, pois a pessoa não teria culpa. O determinismo tem uma outra vertente: o moderado ou mitigado. O determinismo mo- derado já é uma tese compatibilista: concilia o determinismo com o livre-arbítrio. Esta tese defende que somos livres quando o que escolhe - mos e o modo como agimos resulta do que que - remos e o que queremos não resulta de qualquer coacção, doença ou controlo artificial. É, deste modo, compatível com a responsabilidade mo- ral, desde que as acções resultem dos estados internos do agente. Uma ação não livre é aquela cujas causas imediatas não são os estados inter - nos do sujeito, mas sim factores externos, que o agente não pode controlar. Aquelas que resul - tam de coacções, doenças ou controlo artificial. Esta tese é também alvo de várias críticas. Para já, o critério de distinção entre acção livre e não livre que apresenta é discutível. Mesmo sob coacção, o agente pode agir em função das suas crenças e desejos. Para além disto, não se pode jsutificar o seu carácter compatibilista: se se aceita o determinismo, então tem de se admitir que as acções são determinadas por causas que estão fora do controlo do agente, pelo que ele não é livre e o livre-arbítrio não existe. Temos, por último, a tese do libertismo, também in- compatibilista. Esta tese defende que as acções do ser humano decorrem das suas deliberações e não são necessariamente causadas por acon -
tecimentos anteriores. O determinismo pode ser verdadeiro para explicar fenómenos natu - rais, mas os seres humanos são uma excepção à causalidade natural. Cada um escolhe em fun - ção dos seus desejos e da sua vontade, dando início a uma nova causalidade cada vez que age. Somente aceitando o livre-arbítrio faz sentido a deliberação que fazemos antes de tomarmos decisões e agirmos. Só assim se justifica a res - ponsabilização das pessoas pelas sua acções. Aqui encontramos o primeiro grande argumen - to emdefesa do libertismo: a responasabilidade. A percepção que temos uns dos outros faz-nos considerar os outros reesponsáveis e censurá- veis pelas suas acções, ou louváveis pelas mes - ma. O segundo grande argumento é uma ideia que também já vimos enquanto objecção ao de - terminismo: o facto de que nos sentimos livres e agimos segundo a precisa ideia de que somos livres e escolhemos aquilo que fazemos. No entanto, o libertismo parece pres- supor que as nossas escolhas são aleatórias: só são livres se não tiverem causa. Mas se a esco - lha é aleatória, arbitrária, então não temos li - vre-arbítrio. Esta tese pressupõe também que o ser humano constitui uma excepção ao mun - do da natureza. Mas a verdade é que, por mais diferente que seja, o ser humano não deixa de ser uma entidade física (produz efeitos físicos) com uma dimensão corporal sujeita às mesma leis que o resto da natureza. Por isso, enquan - to realidade corpórea, está sujeito ao determi - nismo. No filme, há uma cena em que o Witwer questiona o sistema dos Precogs e do Precrime afirmando que se prendem indivíduos que não quebraram nenhuma lei. A isto, é-lhe dada a resposta “But they will”. É acrescentado tam - bém que os Precogs prevêem o futuro e nunca se enganam, ao queWitwer responde: “But it’s not the future if you stop it”. Entra então Anderton que afirma que a pré-determinação acontece a toda a hora. Anderton atira uma bola e Witwer
56
Quadrante,2021
Made with FlippingBook Digital Publishing Software