Quadrante 14
apanha-a. Face a isto, Anderton questiona Wi - twer do porquê dele a ter apanhado, ao que ele responde que a apanhou porque a bola ía cair. Anderton responde: “But it didn´t fall. You cau - ght it. The fact that you prevent it from happe - ning doesn´t change the fact that it was going to happen.” Witwer defende então que as sistua - ções não são as mesmas pois as pessoas podem desistir das suas intenções e mudar de escolha, enquanto a bola não o pode fazer. Esta cena é ilustrativa da questão em discussão: está o ser humano sujeito a leis e causas semelhantes às leis e causas a que os objectos e a sua dimen - são copórea estão sujetios? Ou seja, há leis que controlam as escolhas do homem como a lei da gravidade determina que uma bola atirada ao ar irá cair no chão se não for apanhada? tiça criminal. As neurociências vêm contribuir para a questão do determinismo e do livre-arbítrio, podendo influenciar a nossa definição de culpa e, con - sequentemente, a nossa ideia de responsabi - lidade. Será que a culpa carece de consciência? Podem os criminosos no filme serem culpados de algo que não têm consciência, visto que ain - da não praticaram o crime? Ou só podem eles ser considerados culpados uma vez que tenha consciência da acção, implicando que a tenham de facto realizado? As neurociências definem a consciência como um fenómeno acompanhan - te de uma posterior descoberta. Sabemos que a vontade é imprescindível para a liberdade, mas será que a consciência também o é? Se for, a dispensa da consciência no plano da responsa- bilidade consubstancia-se na dispensa da pró - pria liberdade. Pode-se ser condenado sem se ser livre? Por outro lado, se não o for, os actos inconscientes podem ser considerados livres, pelo que a não consciência dos actos que iriam realizar no futuro não desculpa os crimino - 2. O impacto das neurociências na jus -
sos acusados pelo sistema do Precrime. Ora, as neurociências, ao descobrirem se a consciência é imprescindível para a liberdade ou não, contri - buem para a definição do sistema de justiça cri - minal que deve existir. Há quem defenda que a consciência é uma actividade bioquímica do cé - rebro, desencadeada por estímulos e que é causa determinante as nossas decisões e estados men - tais. Autores como Greene e Cohen defendem o determinismo, afirmando que todas as causas são condiciondas, admitindo a responsabilida - de como um atributo do cérebro e não de pessoa. Em sentido contrário, Frisch, Maria Fernanda Palma e Demetrio Crespo refutam a pretensão determinista de provar a inexistência da liber - dade de decisão e da culpa. Segundo os mesmo, tal pretensão incorre na falácia naturalista: ten - ta extrair do modo como o cérebro é constituído e funciona ilações de como deve ser estruturada a responsabilidade penal. A falácia naturalista decorre da pretensão de deduzir qualquer de - ver ser do ser. Como Kant afirmou, “(...) rela - tivamente à natureza, a experiência dá-nos a regra e é a fonte da verdade; no que toca às leis morais, a experiência é (infelizmente) a madre da aparência e é altamente reprovável extrair as leis acerca do que devo fazer daquilo que se faz ou querer reduzi-las ao que é feito”. Também Poincaré afirmou que, “se as premissas de um silogismo são ambas do modo indicativo, a con - clusão será igualmente do modo indicativo”, pelo que, “para que a conclusão possa ser colo - cada no modo imperativo, será necessário que, pelo menos, uma das premissas se encontre no modo imperativo”. Os autores anti-deterministas, referidos anteriormente, defendem, então, que a estru - tura da responsabilidade penal colhe o seu fun- damento no modo como nos autocompreende- mos uns aos outros como pessoas e como nos autoconduzimos individual e colectivamente. Nós reconhecemo-nos reciprocamente como
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Quadrante,2021
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