Quadrante 14

livres e iguais, pelo que a estrutura da respon - sabilidade penal deve fundamentar-se nesse reconhecimento. No entanto, como Habermas explica, há um espaço de manobra, um elbow room do agente que é invadido pelos factores da envolvente causal. Ou seja, a liberdade é con- diconada, pelo que a responsabilidade também o é. A liberdade e a responsabilidade faltarão precisamente quando esse espaço de manobra for invadido, impondo o curso da acção. Como Blackburn afirma, a pessoa, nesta situção, tor - na-se “mais uma vítima do que um agente”. De facto, as cenas do filme que retratam a detenção dos criminosos e o posterior tempo de prisão transmitem-nos uma imagem que dá a sensa - ção de que aqueles são as verdadeiras vítimas, a serem presos por algo que não têm consciência que fizeram precisamente porque ainda não o fizeram nem nunca virão a fazer. 3. A legítima defesa objectiva. Esta questãoda consciência ser ounão importan - te para definir a liberdade e, consequentemente, a culpa e a responsabilidade, estende-se a vários aspectos na área do direito penal. Vejamos um debate específico à volta desta questão: o debate acerca da legítima defesa objectiva. Como consta no artigo 32.º do Código Penal, constitui legíti - ma defesa o facto praticado como meio neces- sário para repelir a agressão atual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro. Segundo o artigo 337.º do Código Civil, considera-se justificado o acto destinado a afastar qualquer agressão actual e contrária à lei contra a pessoa ou património do agente ou de terceiro, desde que não seja possível fazê - -los pelos meios normais e o prejuízo causado pelo acto não seja manifestamente superior ao que pode resultar da agressão. A legítima defesa tem, portanto, vários requisitos. Não nos inte - ressa agora analisar um a um, mas sim abor- dar um requisito que é discutido: a da vontade

de defesa, chamada de animus deffendendi. É discutido se é necessário o intuito de defesa por parte do defendente. Existem quatro respostas possíveis para esta questão. 1. Uma primeira resposta, a mais exigen - te, seria aquela em que se considera que para haver legítima defesa é necessário que o agen - te tenha como propósito a sua defesa ou de um terceiro e que saiba reconhecer a existência de uma situação de legítima defesa, segundo os requisitos presentes na lei e desejar as conse - quências legais dessa existência (a exclusão da ilicitude). No entanto, tal implicaria o conheci- mento total da lei, algo que não é razoável pe - dir-se ao comum cidadão. Ou seja, apesar de a ignorantia legis non excusat, a interpretação e conhecimento aprofundado da lei não é algo pedido aos cidadãos. Para além disso, se uma pessoa antes de agir fosse pensar e confirmar se havia uma agressão ilícita e actual, não teria tempo para de facto agir. A defesa é geralmen- te algo instintivo, e não deliberado segundo um processo consciente e racional. 2. Uma outra resposta, a menos exigen - te, seria aquela em que se aceita que uma pes - soa age em legítima defesa quando todos os pressupostos objectivos estão preenchidos, não havendo nenhum requisito subjectivo. Assim sendo, desde que o sujeito repila uma agres - são alheia actual e ilícita, mesmo que não saiba que o está a fazer, age em legítima defesa. Deste modo, Imaginemos que A quer matar B, por ra - zões de vingança e decide fazê-lo. No momento em que o mata, com o desconhecimento de A, B estava a tentar matar C. Ao matar B, A salvou portanto a vida de C. No entanto, A desconhecia que agia em legítima defesa e não foi isso que o motivou a matar B. Segundo esta tese, a acção de A estaria justificada, havendo, portanto, le - gítima defesa.

58

Quadrante,2021

Made with FlippingBook Digital Publishing Software