Quadrante 14

3. Para autores como Cavaleiro de Ferrei - ra, é necessário que o agente saiba que o seu acto é justificado pela legítima defesa, no entanto, não será necessário que a intenção do agente seja a sua defesa, podendo ser qualquer outra intenção, como a vingança. Não existe uma exi - gência do animus defendendi, que é a intenção de defesa. Cavaleiro de Ferreira entende que o facto da defesa é meio necessário para repelir a agressão. Mas daqui não se deduz a relação da intenção do agente e o meio de defesa. Trata-se de uma correlação objectiva, e não subjectiva. É necessário que a defesa seja capaz de repelir a agressão. Isto é algo objectivo. Mas não é neces - sário que o agente tenha como motivação repe - lir a agressão. A defesa é objectivamente neces - sária e lícita. O fim de repelir a agressão é o fim objectivo da defesa, e não o fim subjectivo do agente. No entanto, se o ânimo do agente era de facto praticar um crime, não se entende porque é que a ilicitude haveria de estar excluída. 4. Para autores como Manuel Leal Hen- riques ou Manuel Simas Santos, o animus def - fendendi (o intuito de defesa por parte do de- fendente) é um requisito da legítima defesa. A legítima defesa só se verifica quando, em acréscimo aos requisitos objectivos, a intenção do agente seja repelir a agressão. O que estes autores salientam é que a expressão “para re - pelir” indica a relação do meio necessário com o seu fim teleológico – repelir a agressão. O agente tem de visar ou desejar o fim de repelir a agressão. Não visando a actuação do agente o objectivo de se defender da agressão de que estava a ser vítima, apurando-se, pelo contrá- rio, que a principal motivação da sua conduta consistiu na vontade de agredir ou magoar a vítima, deve concluir-se que o arguido não ac - tuou em estado de legítima defesa. Refira-se o famoso caso Dadson, que ocorreu em Inglater - ra em 1850. Dadson foi um polícia que disparou num ladrão que fugia com lenha roubada. Em

circunstâncias normais, tal não seria permi - tido, pois não havia a necessidade desse meio. No entanto, com o desconhecimento do polícia, era a terceira vez que o ladrão cometia esse de - lito. De acordo com a lei da altura, era permitido disparar sobre alguém que cometesse o mesmo delito pela terceira vez. O Tribunal condenou Dadson afirmando que o seu acto não era justificado pois o facto de o ladrão estar a cometer um crime pela tercei - ra vez não era do seu conhecimento. O desco - nhecimento e ignorância da situação justifica - tiva tornavam o recurso a tal força injustificada. Com este caso formou-se o princípio de Dad - son: a força justificada implica o conhecimento da presença das circunstâncias justificatórias. Isto é, o elemento subjectivo é indispensável na caracterização da legítima defesa. No entanto, o assunto não deixa de ser muito discutido hoje em dia, como vimos, havendo respostas dife- rentes nas diferentes ordens jurídicas. Na Ale- manha, Finlândia e Inglaterra, por exemplo, na linha do princípio de Dadson, considera-se que o acto não está justificado caso não haja o co - nhecimento da situação de legítima defessa. Já na Suíça, a legítima defesa depende da existên - cia dos pressupostos objectivos de se usar meios idôneos e menos gravosos para o agressor, in - dependentemente do conhecimento da existên - cia do elemento subjectivo. A segunda posição exposta sugere, pre - cisamente, que a culpa e a responsabilidade não dependem da consciência. Ou seja, uma pes- soa pode ser culpada duma acção que fez sem consciência e pode não ser culpada duma acção que fez com consciência. Aquilo que vai definir a culpa do agente é algo intersubjectivo: a visão e a percepção dos outros é que vai definir se há culpa ou exclusão da mesma.

4. Internalismo e externalismo. Nas neurociências, discute-se qual a relação

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Quadrante,2021

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