Quadrante 14
período de imediatismo, de tendências, posso dizer que vejo um revisitar vazio, meramente formal, sem direção – o “sem título” - em que o motivo é no máximo a experiência estética, o que é grave. É a necessidade de preencher este vazio que me leva a ter um respeito tremendo por pessoas que ainda trabalham representa - ções clássicas, que dominam o desenho – essa questão técnica e pragmática será sempre um ponto fulcral que define a parte mais honesta do ofício das Artes Visuais. Mas depois de umUrinol estar exposto e ser centro de uma conceptuali - zação qualquer, tudo vale – a Caixa de Pandora foi aberta e o conceito tornou-se um alçado do facilitismo. Marcel Duchamp - à semelhança da máquina fotográfica - não matou a Arte, apenas vincou a folha no sítio onde era necessário virar a página. Todavia, acrescento que não participo na luta entre Arte Contemporânea versus Arte Tradicional, nem no tecnicismo contra o con- ceptualismo, por serem “incompatíveis” – coi - sa que não são necessariamente, quando valo - res intemporais estão presentes. Quais os desafios do Artista do hoje em relação ao passado? Qual o papel do Estado? Isenções ou subsídios? Sucedeu à ideia do Ar- tista Empreendedor a ideia do Artista Subsí- dio-dependente? Há sempre uma problemática. Tal e qual referi, vivemos no Século da Identidade, em que todos se identificam com alguma coisa (e qua - se tudo parece valer na Arte). Se for criado um regime de isenções, nos quais são criados be - nefícios específicos para Artistas - consideran - do que não compete ao Estado decretar o que é ou não é Arte - qualquer pessoa (que assim se identificasse) poderia se registar enquanto Ar - tista, tentando tirar usufruto desses benefícios e desses estatutos.
Mas nesse caso o Estado reservava-se o
seu papel de Fiscalizador…
Contudo, para o Estado poder fiscalizar, tem de haver objeto, tem de ser estipulada uma barreira daquilo que é ou não é Arte. Se se en - trar nesse plano de qualificar Arte por meio de decretos ou legislações, mata-se por completo a Arte. É um campo pantanoso. Foi um pouco aquilo que Hitler fez através da perversa Ex - posição da Arte Degenerada (Entartete Kunst), tudo no sentido de alimentar o conceito de Belo propagado pelo Partido Nacional Socialista. Penso que a Arte e a Política devem ser dois uni - versos separados. Esta é uma questão sensível que devemos vigiar atentamente e não mistu - rar, ainda para mais, considerando que a demo - cracia atual tende a polarizar-se perigosamen- te. A propaganda política é uma doce ilusão, ao passo que um objeto de Arte é inconformismo. Não implicando por isso que eu não reconheça a existência de obras extraordinárias com origem política ou de implicações políticas.
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Quadrante,2021
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